Meu homem agora é um homem melhor. Mora nos jardins, veste e calça. Causa inveja por onde passa. Meu homem não tem para ninguém, só para mim. Meu homem se chama Benjamim.
Meu homem não trabalha. Não precisa mais e sujar de borracha. Meu homem não fede a graxa. Meu homem agora dirige. . Quando não pode, tem quem faça.
Meu homem leva sol na piscina. Meu homem viaja. Meu homem é uma bela companhia. Se não entende de poesia, não fala. Quando o assunto é política, sai da sala.
Meu homem conhece o mundo inteiro. Meu homem mudou de ares, trocou de cheiro. Entende de comida. Sabe escolher o vinho à mesa. Dança que é uma beleza. Meu homem valsa.
Meu homem é outra pessoa. Não quer mais saber de samba. Nem de futebol. Não gosta de feijoada. Meu homem não quer voltar para casa. Foge de lá porque tem medo de levar bala à toa.
Meu homem é a coisa mais bonita. Os dentes perfeitos, o peito. Meu homem leva jeito para ser modelo. Mas eu não deixo. Coloco, assim, um cabresto. Para ele não me deixar tão cedo.
Meu homem me obedece e me respeita. Por incrível que pareça, mesmo quando me põe de quatro, me machuca, me prende à vara da cama. Quando me chicoteia.
Meu homem diz que eu serei seu escravo a vida inteira.
*Reproduzido do livro "Contos Negreiros" (Record - 2005), obra vencedora do Prêmio Jabuti em 2006

Marcelino Freire é pernambucano, morou na Bahia e, desde 1991, está radicado em São Paulo. Ganhador e/ou indicado para alguns dos principais prêmios literários brasileiros, já lançou vários livros e está presente em várias antologias. Obras suas já foram traduzidas para o francês