As cigarras não mais farão as garotinhas gritarem de medo. Aquela, em especial, não vai mais me arranhar quando eu for embora fingindo ser um MacGyver a escapar por entre os portões que se fecham. Ninguém vai aprender a andar de bicicleta. Ninguém vai quebrar o braço correndo em volta da piscina. Ninguém vai fazer guerra de mamona. Ninguém vai mijar nas calças. Ninguém vai competir para copiar a matéria da lousa. Ninguém vai sentir o odor de álcool da folha de exercícios mimeografados. Ninguém vai dizer que ama o cheiro de glifosato pela manhã. Ninguém vai cantar hinos infantis alinhados em filas militares. E ninguém ensinará pequenices eternas. Aquelas crianças também não mais encherão de ar as embalagens descartáveis do achocolatado; está proibido que as pisem e estourem o mundo em risos banguelas. Vamos aproveitar para dar adeus aos cabelos grisalhos aos 5 anos. De amanhã em diante, non scholae sed vitae discimus: o Jardim Escola Bambam & Pedrita fechou. Antigamente, havia o frescor das brumas. Agora, a neblina que resta fede.
*Conto reproduzido do livro "Lá, onde uma porta jamais parou de bater", edição do autor (Selo Arcada - 2018). Mais informações em https://www.leiaarcada.com/

Danilo Botelho Lannes Fochesatto nasceu em Cuiabá (MT). É formado em computação e direito,com mestrado em inovação, mas se (des)encontrou na literatura. Além do livro mencionado acima, lançou "8ito" (Arcada Dentária e A Fábrika - 2007), livro de contos. Em 2018, com Júlio Custódio, Lorenzo Falcão e Rodrigo Meloni, criou o Selo Arcada, uma espécie de confraria literária focada em autopublicações. Dizem as boas e as más línguas que está (eternamente) finalizando um romance que vai chegar em 2021