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Jacir |
Um livro intrigante, detalhista, atraente e preciso. Estes são alguns dos ingredientes da obra considerada por Jorge Luis Borges como a trama perfeita da literatura universal. “A invenção de Morel” é considerada pela crítica como a 94º melhor obra de literatura do século XX. O livro escrito aos 26 anos pelo argentino Adolfo Bioy Casares é uma sátira da condição humana. No posfácio da obra, Otto Maria Carpeaux defende que as narrações de Casares são histórias prodigiosas que buscam criar um espanto nos leitores.
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Borges e Casares, grandes amigos |
Todo o livro é narrado em primeira pessoa, como se fosse um diário onde o personagem é um fugitivo que se esconde em uma ilha inabitada que depois se revela habitada por fantasmas. Fico me perguntando se não seria esta ilha o planeta terra e nós os seus fantasmas? Na obra o personagem principal não possui um nome. Ele é apenas mais um perseguido político dos regimes ditatoriais implantados na América Latina. Aos poucos ele percebe que é invisível, que as pessoas não conseguem vê-lo e com isso acaba tendo a sensação de estar morto. Mas, a obra se revela uma critica providencial ao mundo e a forma de vida contemporânea ao mostrar que as pessoas que vivem na ilha são apenas imagens reproduzidas eternamente por uma máquina capaz de captar a realidade.
“A invenção de Morel” nada mais é do que uma supervitrola, capaz de gravar em disco os movimentos, formas, sons, cheiros, reproduzindo com perfeição a realidade. É interessante observar que o cenário utilizado pelo autor é uma ilha. Assim como Saramago no “Conto da ilha desconhecida”, Casares deixa a terra firme para criar realidades imaginárias. De acordo com Carpeaux na ilha de Morel o tempo é reversível. Com isso, é possível modificar o que aconteceu e alterar o passado. Seria um paraíso se fosse possível, mas também seria um inferno, uma vez que não existiria a possibilidade de futuro com as constantes alterações sobre o passado. Nas entrelinhas do texto, o autor mostra de forma sutil, o fato de que talvez a morte, no mundo criado por Morel não seja física, mas espiritual.
É possível classificar o livro como sendo de ficção científica, onde a matéria e a tecnologia são decodificadoras das inquietações. A grande descoberta e sagacidade da trama é a própria invenção de uma máquina capaz de perpetuar o tempo. O que acontecia na ilha eram experimentos científicos. Experimentos que buscavam captar a própria vida e eternizá-la por meio das imagens e sons sincronizados.
Imortalidade, amor, amizade, justiça, ética, política, real e virtual são alguns dos temas que ajudam a compor a trama da obra escrita de forma magistral. O autor consegue mostrar que a vida pode ser estática e sem que as pessoas percebam, estão tendo uma morte em vida. Fazem a mesma coisa todos os dias, semanas, meses, sem perceberem que estão apenas reproduzindo no disco da eternidade a repetição do mesmo. Uma semelhança como o eterno retorno do mesmo proposto pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche.
Ao ler a obra, fui percebendo que apesar do alerta feito por Casares, as pessoas continuam desprovidas de tudo, confinadas ao lugar mais parco, menos habitável. A grande maioria da humanidade possui uma imitação da vida. Desenvolvem o trabalho para que uma minoria possa viver seus dias de alegria enquanto os demais apenas reproduzem ao infinito seus próprios atos. Um mecanismo de repetição física e psíquica onde as pessoas não se dão conta de que já estão mortas, apenas não sabem disso, uma vez que o mundo contemporâneo nos dá a sensação de movimento e, com isso, não temos tempo para pensar no que realmente estamos fazendo com nossos dias, semanas, meses e anos. Quando nos damos conta, já estamos deixando de existir e a exemplo do personagem principal da obra, acabamos nos deteriorando até desaparecermos por completos sem que ninguém sinta nossa falta. Fica apenas a imagem repetida na mente dos entes queridos. Mas, nada deixamos além de imagens repetidas ao infinito eternamente.
Casares não poupa críticas aos mecanismos de repressão ao defender que o mundo com o aperfeiçoamento das polícias, torna-se irreparável qualquer erro da justiça, um inferno para os perseguidos. Para o autor, as pessoas deveriam apenas buscar a conservação do que interessa à consciência. Em alguns momentos me parece que nossa vida é apenas um eco do que poderia ser. Casares explica esta percepção ao mostrar que onde não há ecos, o silêncio é terrível. Quem sabe seja por isso que fazemos da vida ecos daquilo que poderíamos ser, uma vez que não suportamos nosso próprio silêncio.
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O autor
Adolfo Bioy Casares nasceu em Buenos Aires, no dia 15 de setembro de 1914. Casares pertencia a uma família abastada, a qual sempre o apoiou e possibilitou o desenvolvimento de sua carreira literária. Este suporte também lhe permitiu permanecer na Argentina mesmo nos momentos mais difíceis da história deste país, quando os escritores de sua época eram obrigados a buscar o exílio em outros países.
Em 1932 ele conhece o escritor Jorge Luís Borges, com quem trava uma amizade profunda, que culmina em uma inestimável parceria literária. Dois anos depois Bioy conhece sua futura mulher, Silvina Ocampo. Neste ano ele toma uma importante decisão, deixa os cursos de Filosofia e Letras, convencido pelos argumentos de Borges e Silvina e se dedica de uma vez por todas à literatura, lançando no mercado seus primeiros livros. Cresce o sucesso deste escritor, que se tornaria reconhecido internacionalmente com sua obra mais famosa, A Invenção de Morel, publicada em 1940.
Em 1991 Bioy confirma sua fama e seu reconhecimento ao receber, em Alcalá de Henares, um dos maiores prêmios de língua espanhola, o Miguel de Cervantes. Bioy Casares morre em sua cidade natal, Buenos Aires, em 1999, com 84 anos de idade, vítima de vários problemas provocados por sua idade já avançada.
CASARES, Adolfo Bioy. A invenção de Morel. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
*Jacir Alfonso Zanatta é jornalista e colabora com o Tyrannus Melancholicus