Auto-retrato*
Nasci no rame-rame das abóboras.
Meu plano é horizontal. Vivo de cócoras.
Se me ergo, me espatifo. A gravidade
colou meu ser ao chão: cresço à vontade.
A crosta é dura. No corpo volumoso
a polpa é só fartura e paga o esforço
de rastejar como uma tartaruga
e refletir ao sol minha armadura.
Uma fome objetiva me devora
como a dos porcos que não comem pérolas
ou a dos pobres que não comem porcos.
Com ou sem sal, metáfora ou pletora
viro alimento no momento justo.
Ao fogo brando e lento mais me aguço.
Não sinto a tentação das ramas altas:
maracujá, chuchu, nada me exalta.
Nem mesmo a solidão das uvas verdes
quando o desdém dos homens as prescreve.
No ventre universal ocupo um espaço.
A vida faz-se em mim. Vegeto, e passo.
*Poema reproduzido do site https://escamandro.com/ , com o título grafado na forma original

Maria do Carmo Ferreira, mais conhecida como Carminha Ferreira, nasceu em Cataguases (MG). Começou sua trajetória como poeta aos 14 anos. Já viveu em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Também morou dois anos na Europa e outros dois nos EUA, onde fez mestrado em Literatura Comparada e lecionou língua e literatura brasileira no Colégio dos Graduados, Universidade de Illinois. É aposentada da Rádio Mec, onde serviu 30 anos como criadora, tradutora, redatora, produtora e coordenadora de programas litérários e lítero-musicais, como Técnica em Assuntos Culturais MEC/Demerg (informações do site http://www.elsonfroes.com.br/ )